21 Jan
21Jan

Ainda em tempos de pandemia, os negócios estão reagindo mais rapidamente do que imaginamos.
É uma boa notícia e deveríamos estar muito contentes. Então, por que não nos sentimos aliviados? 

Quando os governos começam a relaxar as restrições e estimular o crescimento econômico, começa a fase de recuperação da crise da Covid-19 para os negócios. À primeira vista, esta fase significa o retorno gradativo ao normal, o reinício das operações e a volta aos escritórios, às linhas de produção e às lojas. Na Europa, onde vários países estão na fase de reabertura gradual, muitos líderes estão surpresos com a velocidade da recuperação e com a rapidez com que a vida cotidiana parece estar retornando ao que era anteriormente à crise de saúde. Porém, abaixo da superfície, as coisas ainda estão muito confusas, tanto lá, no Velho Continente como aqui, abaixo da linha do Equador. Intuitivamente, esperávamos que os líderes sentissem a adrenalina da vitória que vem naturalmente quando a “tensão da fase de regressão’’ é afrouxada. Mas muitos, segundo nossas pesquisas, relatam emoções contraditórias. Sentimentos de otimismo e clareza estão entrelaçados com ausências, perdas e dúvidas. Mesmo entre aqueles que resistiram bem à crise, a falta de alívio é a regra, e não, a exceção. Estranho? O fato é que a recuperação que começamos a experimentar, mesmo que gradual, traz novos desafios para os líderes e suas equipes. O que devemos esperar e como transitar por esta fase em que o processo de vacinação em massa se inicia, dando a muitos a impressão de volta à normalidade da vida?

Frente a frente com a nova realidade. Analisando com cuidado este movimento da sociedade de resgate da vida normal pós vacinação, três temas vieram à tona e merecem consideração ultra especial, tendo como pano de fundo o tema SAÚDE MENTAL EM TEMPOS DE PANDEMIA.

1) Os inesperados bons momentos causados pela crise estão desaparecendo.
É isto mesmo que você leu. Rapidez nas tomadas de decisão. Reuniões eficientes. Comunicação frequente, franca e objetiva. Liberdade para organizar seu dia e trabalhar de casa. Interações informais e autênticas entre as equipes. Várias pessoas mencionam que sentem falta da adrenalina estimulante das situações emergenciais da crise, como também da sensação de importância e pertencimento que vivenciaram durante o lockdown. Gostariam de manter essa nova maneira de trabalhar, essa urgência e proximidade geradas pela crise. No entanto, toda e qualquer boa intenção escapou por entre seus dedos, uma vez que as reuniões sequenciais, de 9h às 17h, parecem retornar de forma rápida e surpreendente. O “novo normal”, ao que parece, não é tão novo assim — e pode se tornar uma oportunidade perdida, caso não seja bem gerida pelos líderes. Vale dizer que uma das reações mais comuns entre os soldados que retornam da guerra é que a vida do dia a dia parece se tornar absurdamente sem consequências e insignificante quando comparada às situações de combate que deixaram para trás. Ficar em uma fila de supermercado ou escutar as pessoas reclamando do noticiário da TV pode ser extremamente sem importância quando você vem lidando com crises emergenciais há semanas, meses.

2) O emaranhado não resolvido das emoções. 
Líderes aprenderam muitas coisas novas sobre eles mesmos e seus colegas mais próximos durante a pandemia: quem se comporta à altura da ocasião, quem perde a fé, quem oferece ajuda, quem perde o rumo, quem ousa e quem se cala — mas, como estes comportamentos evoluem com o desenrolar da crise? De fato, com o advento da crise do vírus de origem duvidosa, é como se o “sistema operacional emocional’’ de muitas equipes tivesse sido reiniciado. Este “reiniciar’’ é muito intenso psicologicamente: expõe os vínculos de uma equipe, tanto os fortes como os fracos, e isso exige que a sua autoimagem e a dinâmica da equipe sejam recalibradas quando as coisas voltarem ao normal. Não é uma tarefa fácil e vai requerer ajuda de especialistas para ser bem conduzida.

3) O fardo do trabalho à frente. 
Tanto os líderes como as equipes estão percebendo que a fase de lockdown foi, na verdade, apenas a mais aguda da crise. Agora precisam se envolver com os desafios mais profundos de adaptação de suas empresas e ver como os administrar na volta gradativa ao trabalho presencial. O paradoxo é que, durante a fase emergencial, o propósito parecia claríssimo: Aja agora. Proteja a empresa. Conforme a recuperação se desenrola, surgem perguntas mais profundas e perturbadoras, que requerem reflexão e análise individual e coletiva: O que vem a seguir? Que partes do nosso negócio e de nossa organização serão relevantes no futuro? O que precisamos fazer para estarmos preparados para uma segunda ou terceira onda? O que é esse novo e grande cenário que se avizinha? O que os líderes podem fazer para enfrentar a fase de recuperação? A ausência da sensação de alívio é um sinal indicador de que todos temos ainda um enorme trabalho psicológico e emocional pela frente, como parte da fase de recuperação. Como líderes, precisamos estar cientes do que está acontecendo nesta fase com nossas equipes e com a linha de frente, e adaptar nosso estilo de liderança conforme o necessário. Primeiro, a recuperação iniciada com o advento da vacinação, marca o início de um desafio ainda maior, e não, o fim da crise. Uma das coisas mais complicadas sobre a crise da Covid-19 é que não existe um “dia da libertação’’ – sem a doença, com tudo resolvido a este respeito. Ela ainda está presente em muitos lugares e suas consequências podem ser mais longas e complexas do que a turbulência causada pela primeira onda.

Liderar tendo as consequências em mente é fundamental, e você e sua equipe precisam encarar esta dura realidade. Como? Há várias providências que podem ser encaminhadas com sucesso a exemplo de não pensar na recuperação como sendo apenas o simples retorno ao trabalho e a volta aos velhos hábitos. As prioridades precisam ser redefinidas, planos ajustados e recursos redirecionados. Esta é a essência da liderança na recuperação. Mas há outras medidas igualmente relevantes. Vamos conversar sobre elas? Uma pessoa resumiu com felicidade o paradoxo da crise. “Olhando os números, nossa empresa regrediu muito anos. Mas com relação à cultura empresarial, fomos catapultados para um futuro que jamais poderíamos imaginar, e estrategicamente, nossa transformação ganhou um ímpeto que jamais poderíamos criar por conta própria”. A principal lição do porquê isso aconteceu é que a crise revelou talentos escondidos e qualidades jamais percebidas.

A verdade é que nem todas as equipes ou líderes chegarão à mesma conclusão. Mas todos podem se beneficiar ao conduzirem, com apoio de especialistas, uma busca direcionada aos resultados positivos da crise e refletir sobre como seu relacionamento com os colegas e com o trabalho mudou. Encontrar tempo para este tipo de reunião de balanço (debriefing, em inglês) pode ser terapêutico para líderes e suas equipes, assim como pode impulsionar a movimentação que todos precisamos para seguir em frente com força e fé inabalável.


Paulo C. Braune, psicólogo organizacional, trabalha como consultor executivo para líderes de nível sênior e suas equipes em grandes empresas multinacionais no Brasil e exterior, há mais de 30 anos. Tem atuado em parceria com a Covid Solutions (www.covidsolutions11.com) dirigindo uma equipe de especialistas no tema Saúde Mental e apoiando lideranças e equipes na reintegração ao trabalho presencial na etapa pós vacinação, com trabalhos de consultoria, consultas individuais e coletivas, palestras de conscientização sobre condutas e protocolos durante o período entre a vacinação e a imunidade, pesquisas sobre aspectos relevantes da pandemia e seu impacto na saúde mental dos trabalhadores, suporte social no reingresso ao trabalho presencial, entre outras especialidades.
Contato: paulo.braune@terra.com.br